quarta-feira, 10 de julho de 2013

O MAGO E O CAÇADOR

Segue um conto muito especial e significativo escrito por uma pessoa também especial e significativa, Ricardo Barbosa.
Sugiro que durante ou após a leitura ouçam essa música:

BOA LEITURA!

O mago e o caçador


Andava pela floresta um bravo caçador. Ele havia saido para caçar e já estava longe de casa há muito tempo. Ele não voltaria para casa, até que encontrasse a caça perfeita, e por isso demorava e caminhava horas e horas, por muias léguas. O tempo havia passado as horas haviam passado e ele havia se esquecido completamente de tudo e também de voltar para casa. Como já era tarde, resolveu passar a noite na floresta, para continuar a caçar logo pela manhã. Montou acampamento e logo caiu no sono.
No outro dia, acordou com grande coragem e disposição. Logo cedo, abateu um pequeno animal, preparou sua carne, e comeu. Mas aquela ainda não era a caça esperada e procurada. Banhou-se no rio, e,revigorado, saiu em busca de sua caça, numa região da floresta por onde nunca havia estado antes. Estava muito longe de casa, há muitos dias. Mas não voltaria sem antes conseguir. Tudo era novo e diferente. Árvores altas, com os troncos cobertos por uma estranha gramínea, pássaros grandes voavam e pousavam em suas copas.
Ao andar pela floresta, atento aos rastros de um animal, sentiu que estava próximo. Pelas pegadas, era um animal grande, que havia passado há pouco tempo. Os galhos quebrados, as folhas caidas, as pegadas na terra. Tudo indicava que era chegado o grande momento. De fato, avistou um lindo alce, com a mais majestosa galhada já vista: 12 pontas, bem formadas e fortes, um animal estupendo. Tomou posição de disparo. Mirou sua arma naquela presa. Atirou , mas não acertou. O animal se assustou e correu e o caçador, correu para tentar um novo tiro. Tropeçou e caiu de um alto barranco, rolando morro abaixo. Bateu-se contra pedras, foi jogado contra as árvores. Viu-se caido no chão. Ferido, machucado. Sentia dores nas pernas, nos braços, em todo o corpo. Sentiu sangue escorrer em seu corpo. Tentou se levantar mas não conseguia. Ficou caido. Caido por mais e mais tempo. Não conseguia se levantar, não cosneguia se defender. Até que adormeceu. O sono o dominou, ficou sujeito ao frio, a fina garoa, aos perigos de mais uma noite na floresta. Nem mesmo sabia onde estava, nem mesmo saberia voltar pra casa. Como voltar por que voltar? Sem a caça que foi buscar, sem levar o que tanto esperavam. Melhor mesmo seria não voltar. Adormeceu.
Adormeceu com a coragem de quem não tem medo de adormecer, de estar jogado à própria sorte.  De alguma forma, tinha a certeza, de que nada de mal aconteceria. De que nenhum animal perigoso o encontraria. Que nenhum ladrão apareceria. Não teve medo do frio, não teve medo da noite. Adormeceu.
No outro dia, acordou. Ainda no mesmo lugar, de onde não conseguia sair. Olhava para o alto, apenas via árvores, ouvia o canto dos pássaros.  Pássaros cantavam e voavam. Faziam uma dança aérea, como se fizessem o tempo passar. O caçador concentrava-se nos pássaros. Olhava seu movimento e tentava cantar junto a eles, mas a dor não permitia. O simples movimento do ar causava-lhe dor. Tentou arrastar-se para uma árvore, mas continuou jogado no caminho. Sentia suas pernas quebradas.
Adormeceu novamente, como forma de não sentir mais dor. Obervava os pássaros, como forma de não perceber o tempo passar. Até que ouviu sons que não eram pássaros.
Aproximara-se um homem. O homem era um mago, que andava na floresta colhendo ervas para suas poções. Junto a ele vinham dois outros, mais jovens, seus aprendizes. Os três viram o caçador e o socorreram. Deram-lhe água, limparam-lhe as feridas. Colocaram-no em sua carroça e o levaram para a casa do mago, que ficava próxima.
Lá, ele foi colocado na cama. Foi limpo, alimentado. Suas feridas foram cuidadas. Sua perna quebrada foi imobilizada. O mago servia a ele chás e poções para sua melhora e sua recuperação. Neste dia, pensou novamente ter nascido. Sentiu novamente o conforto de uma cama macia, de um quarto quente, de uma boa comida e teve a sensação de ser cuidado e de ser importante. Sentiu um novo sentido na vida. Não se importava mais com caça não capturada.  Pensava em voltar pra casa, mas não podia. Sua perna ainda quebrada não lhe permitia movimentar-se. E também não se lembrava o caminho de casa.
O mago permitia que ele ficasse e insistia que ficasse todo o tempo que precisasse. Para tornar seus dias melhores, o mago promovia saraus em sua casa. Fazia demonstrações de sua magia, ensinava-o os segredos da mágica e da cura. Todas as noites, um grupo de magos, aprendizes, cavaleiros, jogadores e músicos reuniam-se junto a ele, para alegrá-lo e fazer dele um homem mais feliz.
O mago o envolvia cada vez mais, com sua magia e com sua energia. E cada vez, mais, a vida naquela casa o envolvia e ele se sentia pertencer a esse novo mundo. Porém sua posição sempre sentado, sem conseguir se movimentar, tornavam-no um homem que se sentia dependente. Sentia sua perna melhorar a cada dia. Sentia suas forças voltarem a cada momento.
As noites que passava com o mago eram cada vez mais agradáveis. Sentia grandes emoções, alegrava-se quando o mago chegava, mostrava sua magia e o encantava com sua bondade e com seu magnestimo, que atraia as pessoas para perto de si mesmo. Sua casa, sempre alegre e cheia de amigos energizava e atraia a todos que por lá passavam. Todos que lá chegavam, se sentiam bem e queriam ficar.
O caçador, que ficava lá todo o tempo, era cada vez mais e mais tomado por essa boa energia, era cada vez mais e mais envolvido numa aura de amizade e sentimentos que existiam naquela casa.
Sentia que sua perna estava melhor. Não havia mais nenhuma marca, nenhuma cicatriz. Numa manhã, passava a mão em sua perna e sentia que seus músculos estavam bem. Que seus ossos estavam bem. Todas as cicatrizes estavam fechadas. Tudo estava curado. Nesse dia se levantou. Andou lentamente pelo quarto. Chegou à porta, caminhou pelo jardim. Á medida que caminhava, sentia-se cansado e voltava para casa. Fez isso repetidos dias. Todas as manhãs. E sempre sentia que após certo tempo de caminhada, o cansaço o dominava e ele voltava novamente para dentro da casa.
Intrigado, não se conformava. Por que não conseguia sair do jardim e se afastar? Sentia seu forte corpo reestabelecido, suas pernas estavam bem. Mas a cada dia um suas forças chegavam ao limite quando se fastava da casa. Não se afastava para ir embora, mas apenas para caminhar e ver a floresta. Mas não sabia mais se queria ir embora, ou se queria ficar. Apenas percebia que de alguma forma, um limite energético estava formado. A cada dia conseguia ir um pouco mais longe, mas nunca se afastava completamente da casa.
Uma noite, perguntou ao mago: - Por que não consigo me afastar da casa?
- É o que você quer? Perguntou o mago
- Quero apenas caminhar, ver onde vou. Quero ir, apenas.
- Para onde? O mago perguntou
- Apenas quero ir, insistiu.
- Vai voltar para casa? Vai tentar achar o caminho? Indagou o mago.
- Não sei. Apenas preciso ir. Sinto que tenho que caminhar. Tenho que caçar novamente.
O mago ficou em silêncio foi dormir. E o cavaleiro também adormeceu.
No outro dia, o mesmo limite. Apenas um passo a mais. E nesta noite, outro diálogo com o amigo mago:
- Sinto-me como magnetizado por esse lugar. Quanto mais me afasto, mais me canso. Sinto que meu limite chega e não vou mais. Mas a cada tentativa, ando um pouco mais. É como se o limite se expandisse com a minha vontade de ir. Mas caio, fraco. E tenho que voltar. E voltando, fico novamente forte. Quanto mais perto desta casa e de você, melhor me sinto. Mas ao mesmo tempo, sinto que tenho que ir.
- Por que tem que ir? Caçar o alce? Não lhe basta a comida e a glória que tens em minha casa?
- Por que tenho. Sei que tenho. Não sei onde estou. Não pertenço a este lugar. Falava sem certeza.
Pertece a onde quiser. Vai saber onde está, quando quiser estar. Não tem medo do frio e da solidão da floresta? Dos animais perigogos? Dos ladrões? Perguntava calmamente o mago.
- Não quero mais ficar. Obrigado por tudo o que fez, e tem feito. Obrigado por salvar minha vida, mas tenho que ir. Nem mesmo sei se conseguirei voltar, mas tenho que tentar. Se não tentar, nunca saberei. Este lugar me atraiu com sua magia, me magnetizou e me chama a ficar. Ouço esse chamado, mas também ouço meu alce na floresta. Tenho que buscá-lo. Tenho que encontrá-lo.
- Mas nem sabes mais se ele está vivo. Se ele existe. Se vai encontrar o mesmo alce que viu. E se você se ferir nessa busca? Perguntou o mago em sua aura de tranquilidade.
- Mas nunca saberei ficando aqui.
- E precisa saber? Quando você veio para cá, sua energia re harmonoizou a energia dessa casa. Por causa de sua chegada, novas pessoas chegaram, para que toda a energia do lugar se completasse. Por sua causa novas pessoas vieram e outras se foram. Essas novas pessoas trouxeram sua energia e todas essas energias se harmonizaram com a minha. E minha magia aumentou. O poder que o curou veio desse equilíbrio energético, que você mesmo fez acontecer. E agora, você faz parte de um ciclo que se formou. E que só existe por que você esta aqui, enquanto você está aqui. A cada passo que você dá, esse poder faz você voltar. Ao mesmo tempo em que o alce atrai você para ele. O ponto em que você sente o limite de suas forças é o ponto de exato equilíbrio, entre a energia que te leva e a energia que te traz de volta. Só você define onde é esse limite.
Caso você vá, vai faltar um ponto energético. Minha magia diminuirá, muitos deixarão de vir, e outros podem vir. Eu sou o centro de todo o poder que todas as pessoas concentram. Eu sou a conexão entre todos. E eu quero que fique. Para que juntos, sejamos mais fortes. Ficando aqui, nada nunca lhe faltará. Terá a certeza de uma cama quente, de um amor incondicional, de amigos leais. Boa música, boa comida, bom vinho. Saúde, paz, ouro e felicidade. Enquanto você estiver aqui, minha magia proverá tudo o que você precisar.
O caçador compreendia e se maravilhava com tudo. Tudo fazia sentido. Pensar numa vida tranquila para sempre. Sem medos, sem tristezas, sem angustias, sem dores. Nas noite seguintes, o caçador tocava harpa junto com os convidados, bebia vinho, comia e jogava. Mas ouvia ao longe o alce que corria e pastava em algum lugar da floresta.
Pediu ao mago: deixe-me ir. O mago respondeu: deixe-se ir. Mas não vá. Fique, eu te peço. Precisamos de você. Lhe dou os segredos da magia, lhe dou os segredos do universo. E os segredos do amor. Mas fique.
Deixe-me ir, eu lhe peço. É você que me prende. Enquanto pensa que devo ficar, sua magia se fortalece, e me impede de transpor o limite. A floresta me espera. Eu espero a floresta. Eu preciso dela, assim como preciso de sua casa. Eu preciso ir, assim, como preciso vir. Eu preciso da sua segurança, mas preciso me arriscar a caçar. Sou um caçador. É só o que sei fazer. É para caçar que sai de casa. Não existo sem a floresta, não existo sem buscar o alce.  Nem sei mais se tenho casa, se tem alguém que me espera. Mas eu preciso ir. Somente indo, saberei se quero voltar. Ou que não quero. A certeza de ficar, faz de mim alguém menor. Eu aumento a força da comunidade, mas minha força é minada e exaurida.
O mago entristeceu-se: eu te dei minha magia, te dei meu tempo, te dei meu universo. Salvei tua vida. Todos pedem que você fique. Todos precisam que você fique. E apenas pensa que precisar ir. Tudo o que precisa terás aqui, não vês? Não lhe é o bastante? Não te deixo ir. Teras que ficar, terá que gostar de ficar. Aprenderá a amar meu mundo e tudo que nele existe.
O caçador passou mais uma noite na casa do mago. Como sempre descansou,e o sono foi reconfortante.
No outro dia, ao tentar caminhar, chegou ao ponto do seu limite. A cada passo, sentia seu corpo mais pesado, sentia que o chão o puxava pra trás, sentia menos ar para respirar. Continuou a caminhar. Insistindo nisso, e seguiu. Avistou o ponto em que na última vez perdeu as forças, estava quase lá. E a cada passo, sentia seu corpo pesar mais, e uma força ainda maior o atrair de volta para a casa. Ouvia em seus pensamentos: volte. Fique. Mas corajosamente, deu mais um passo e chegou até o limite em que tinha conseguido chegar na manhã de ontem. Sentia-se totalmente sem forças.  Caiu no chão. Pensava na bondade do mago, pensava no tratamento que teve, em sua recuperação, desde que havia chegado ali. Pensava em todas as pessoas, que ficavam mais tristes a cada passo que ele dava. Pensava na boa comida, na boa música. Continuou no chão  e descansou. Sentiu o cheiro da comida e teve vontade de voltar para comer. Mas permaneceu sentado. Neste ponto, sentia o cheiro da floresta, ouvia os pássaros cantando, via-os dançando no ar. Ouvia os sons dos animais, percebia seu movimento. Ouvia a água correr no riacho. Perguntava-se se o alce estava por ali.
Reuniu suas forças, mas sentia-se fraco. Naquele lugar, ele era forte e fraco, sentia-se alegre e triste, sentia corajoso e cheio de medo, sentia-se sábio e louco. E finalmente deu mais um passo em direção à floresta.
E sentiu-se forte novamente. Muito forte e certo a seguir em frente. Avistou o alce. Olhou para trás e viu o mago na porta da casa. Acenou para o mago e sorriu. O mago acenou e sorriu.

Seguiu em frente.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

VÃO OS ANÉIS E TAMBÉM OS BRINCOS..



O primeiro fora roubado, assim como muitas coisas já haviam sido, assim como muitos eventos primeiros que também não existiam mais.
A história de cada um deles era muito peculiar: a aliança de bodas de prata de seu avô encaixara perfeitamente em seu dedo após a morte dele, a aliança celta fora cobiçada na vitrina em época ritualística de sua vida, o do dedão comprara de um camelô qualquer (e ele jurou ser Maia quando vendeu) e os outros dois ganhara de uma amiga em tempos diferentes, com significados diferentes – o Grego indicador e a aliança em Cruz.
Já os brincos não eram símbolo da adolescência, pelo contrário, fizera quatro furos significativos de uma jovial liberdade adulta.
Com o tempo esses materiais tornaram-se indicadores de situações e emoções, pretejavam, avermelhavam, azulavam... Às vezes por nada, outras por tudo – independente de manter qualquer espinha ereta ou o coração tranquilo, pois a mente, ahhh... Essa jamais lhe dera sossego.
Esses objetos eram tão parte dele que pareciam tatuados, colados ou brotados de sua pele, sim, como os eczemas emocionais que acompanhavam as variações de humor.
Existe uma hora que as coisas vão, mesmo ficando eternamente impregnadas, como os sinais, os furos, as feridas. Desapegar não é simples, mas a questão é ir e elas vão ou pelo menos mudam.
Bem, os anéis estavam velhos, pretos, usados e não aguentavam mais fazer parte de algo, significar algo. Foram depositados em um altar junto com suas dúvidas, medos e milhares de pensamentos que insistiam em persegui-lo.
Agora não sabia se iria limpar lustrar, voltar a usar ou... Abandonar de vez.
 04/07/2013