UM POÇO DENTRO DE MIM...
Há semanas o poço estava cheio, não havia encontrado
um meio de fazê-lo transbordar. Tentara de tudo: lirismo, mais água, chuva... Nada
fora o suficiente.
Algumas palavras e
alguns gestos foram derramados no poço que quase vazou – ainda assim não foram
suficiente para renovar seu conteúdo. Foi então que pensou em repetir velhas
técnicas: frustrou-se ao perceber que nem os livros de frases feitas, que
muitas vezes lhe davam esperança, não tinham mais espaço. A livraria tinha um
sabor novo de romance e teoria e não de fábulas e crenças, o cinema o levara
para o inusitado... Porém quando se compartilha com o coletivo nem sempre se
consegue transbordar, ninguém é obrigado a saber da profundidade do poço do
outro, mas os rasos e fáceis de desvendar realmente não lhe interessavam
naquele momento... Pensou: profundo demais? Raso demais ou nada demais? Vazou
um pouco...
Questionou se no
poço havia alguma porta, como num conto que ouvira, lembrou então que todas as
portas estavam fechadas – o que não era de todo o mal – afinal, sua relação com
outros poços era bem resolvida... A não ser que existisse uma porta emperrada,
pensou. Foi então que numa prendida de ar mergulhou para dentro do poço sem
pestanejar ou questionar qualquer outra coisa...
Dizem que encontrou
um túnel por lá que dá acesso a outro poço! Isso lhe despertou novamente a
curiosidade, o desejo de ser desbravador – “desvendador”,
eu diria – os túneis que fazem essas ligações são misteriosos e sedutores demais.
Seja lá qual for o
destino desse mergulho sabe-se que está seguro, pois não é e nem será o último
dos mergulhos, nem a maior profundidade ou a menor altura, será apenas único
como todos os outros que foram e que virão.
Mandou um sinal:
lembrara das portas e túneis que encontrou das últimas vezes e que por mais que
tentasse identificar-se com os caminhos ou tivesse algum tipo de mapa nada
adiantaria, apenas tinha a garantia que por mais longo ou escuro que o túnel fosse
ou onde a porta pudesse levar saberia que emergiria e que o sinal de sua volta
seria marcado pelo jorrar do poço, tal qual uma fonte que purifica e lubrifica a
existência.
Num rompante
enxergou o céu e as formas luminosas dele.
Suspirou e sorriu aliviado.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário