Segue um conto muito especial e significativo escrito por uma pessoa também especial e significativa, Ricardo Barbosa.
Sugiro que durante ou após a leitura ouçam essa música:
BOA LEITURA!
O mago e o caçador
Andava pela floresta um
bravo caçador. Ele havia saido para caçar e já estava longe de casa há muito
tempo. Ele não voltaria para casa, até que encontrasse a caça perfeita, e por
isso demorava e caminhava horas e horas, por muias léguas. O tempo havia
passado as horas haviam passado e ele havia se esquecido completamente de tudo
e também de voltar para casa. Como já era tarde, resolveu passar a noite na
floresta, para continuar a caçar logo pela manhã. Montou acampamento e logo caiu
no sono.
No outro dia, acordou
com grande coragem e disposição. Logo cedo, abateu um pequeno animal, preparou
sua carne, e comeu. Mas aquela ainda não era a caça esperada e procurada. Banhou-se
no rio, e,revigorado, saiu em busca de sua caça, numa região da floresta por
onde nunca havia estado antes. Estava muito longe de casa, há muitos dias. Mas
não voltaria sem antes conseguir. Tudo era novo e diferente. Árvores altas, com
os troncos cobertos por uma estranha gramínea, pássaros grandes voavam e pousavam
em suas copas.
Ao andar pela floresta,
atento aos rastros de um animal, sentiu que estava próximo. Pelas pegadas, era
um animal grande, que havia passado há pouco tempo. Os galhos quebrados, as
folhas caidas, as pegadas na terra. Tudo indicava que era chegado o grande
momento. De fato, avistou um lindo alce, com a mais majestosa galhada já vista:
12 pontas, bem formadas e fortes, um animal estupendo. Tomou posição de
disparo. Mirou sua arma naquela presa. Atirou , mas não acertou. O animal se
assustou e correu e o caçador, correu para tentar um novo tiro. Tropeçou e caiu
de um alto barranco, rolando morro abaixo. Bateu-se contra pedras, foi jogado
contra as árvores. Viu-se caido no chão. Ferido, machucado. Sentia dores nas
pernas, nos braços, em todo o corpo. Sentiu sangue escorrer em seu corpo.
Tentou se levantar mas não conseguia. Ficou caido. Caido por mais e mais tempo.
Não conseguia se levantar, não cosneguia se defender. Até que adormeceu. O sono
o dominou, ficou sujeito ao frio, a fina garoa, aos perigos de mais uma noite
na floresta. Nem mesmo sabia onde estava, nem mesmo saberia voltar pra casa.
Como voltar por que voltar? Sem a caça que foi buscar, sem levar o que tanto
esperavam. Melhor mesmo seria não voltar. Adormeceu.
Adormeceu com a coragem
de quem não tem medo de adormecer, de estar jogado à própria sorte. De alguma forma, tinha a certeza, de que nada
de mal aconteceria. De que nenhum animal perigoso o encontraria. Que nenhum
ladrão apareceria. Não teve medo do frio, não teve medo da noite. Adormeceu.
No outro dia, acordou.
Ainda no mesmo lugar, de onde não conseguia sair. Olhava para o alto, apenas
via árvores, ouvia o canto dos pássaros.
Pássaros cantavam e voavam. Faziam uma dança aérea, como se fizessem o
tempo passar. O caçador concentrava-se nos pássaros. Olhava seu movimento e
tentava cantar junto a eles, mas a dor não permitia. O simples movimento do ar
causava-lhe dor. Tentou arrastar-se para uma árvore, mas continuou jogado no
caminho. Sentia suas pernas quebradas.
Adormeceu novamente,
como forma de não sentir mais dor. Obervava os pássaros, como forma de não
perceber o tempo passar. Até que ouviu sons que não eram pássaros.
Aproximara-se um homem.
O homem era um mago, que andava na floresta colhendo ervas para suas poções.
Junto a ele vinham dois outros, mais jovens, seus aprendizes. Os três viram o
caçador e o socorreram. Deram-lhe água, limparam-lhe as feridas. Colocaram-no
em sua carroça e o levaram para a casa do mago, que ficava próxima.
Lá, ele foi colocado na
cama. Foi limpo, alimentado. Suas feridas foram cuidadas. Sua perna quebrada
foi imobilizada. O mago servia a ele chás e poções para sua melhora e sua
recuperação. Neste dia, pensou novamente ter nascido. Sentiu novamente o
conforto de uma cama macia, de um quarto quente, de uma boa comida e teve a
sensação de ser cuidado e de ser importante. Sentiu um novo sentido na vida.
Não se importava mais com caça não capturada.
Pensava em voltar pra casa, mas não podia. Sua perna ainda quebrada não
lhe permitia movimentar-se. E também não se lembrava o caminho de casa.
O mago permitia que ele
ficasse e insistia que ficasse todo o tempo que precisasse. Para tornar seus
dias melhores, o mago promovia saraus em sua casa. Fazia demonstrações de sua
magia, ensinava-o os segredos da mágica e da cura. Todas as noites, um grupo de
magos, aprendizes, cavaleiros, jogadores e músicos reuniam-se junto a ele, para
alegrá-lo e fazer dele um homem mais feliz.
O mago o envolvia cada
vez mais, com sua magia e com sua energia. E cada vez, mais, a vida naquela
casa o envolvia e ele se sentia pertencer a esse novo mundo. Porém sua posição
sempre sentado, sem conseguir se movimentar, tornavam-no um homem que se sentia
dependente. Sentia sua perna melhorar a cada dia. Sentia suas forças voltarem a
cada momento.
As noites que passava
com o mago eram cada vez mais agradáveis. Sentia grandes emoções, alegrava-se
quando o mago chegava, mostrava sua magia e o encantava com sua bondade e com
seu magnestimo, que atraia as pessoas para perto de si mesmo. Sua casa, sempre
alegre e cheia de amigos energizava e atraia a todos que por lá passavam. Todos
que lá chegavam, se sentiam bem e queriam ficar.
O caçador, que ficava
lá todo o tempo, era cada vez mais e mais tomado por essa boa energia, era cada
vez mais e mais envolvido numa aura de amizade e sentimentos que existiam
naquela casa.
Sentia que sua perna
estava melhor. Não havia mais nenhuma marca, nenhuma cicatriz. Numa manhã,
passava a mão em sua perna e sentia que seus músculos estavam bem. Que seus
ossos estavam bem. Todas as cicatrizes estavam fechadas. Tudo estava curado.
Nesse dia se levantou. Andou lentamente pelo quarto. Chegou à porta, caminhou
pelo jardim. Á medida que caminhava, sentia-se cansado e voltava para casa. Fez
isso repetidos dias. Todas as manhãs. E sempre sentia que após certo tempo de
caminhada, o cansaço o dominava e ele voltava novamente para dentro da casa.
Intrigado, não se
conformava. Por que não conseguia sair do jardim e se afastar? Sentia seu forte
corpo reestabelecido, suas pernas estavam bem. Mas a cada dia um suas forças
chegavam ao limite quando se fastava da casa. Não se afastava para ir embora,
mas apenas para caminhar e ver a floresta. Mas não sabia mais se queria ir
embora, ou se queria ficar. Apenas percebia que de alguma forma, um limite
energético estava formado. A cada dia conseguia ir um pouco mais longe, mas
nunca se afastava completamente da casa.
Uma noite, perguntou ao
mago: - Por que não consigo me afastar da casa?
- É o que você quer?
Perguntou o mago
- Quero apenas
caminhar, ver onde vou. Quero ir, apenas.
- Para onde? O mago
perguntou
- Apenas quero ir,
insistiu.
- Vai voltar para casa?
Vai tentar achar o caminho? Indagou o mago.
- Não sei. Apenas
preciso ir. Sinto que tenho que caminhar. Tenho que caçar novamente.
O mago ficou em
silêncio foi dormir. E o cavaleiro também adormeceu.
No outro dia, o mesmo
limite. Apenas um passo a mais. E nesta noite, outro diálogo com o amigo mago:
- Sinto-me como
magnetizado por esse lugar. Quanto mais me afasto, mais me canso. Sinto que meu
limite chega e não vou mais. Mas a cada tentativa, ando um pouco mais. É como
se o limite se expandisse com a minha vontade de ir. Mas caio, fraco. E tenho
que voltar. E voltando, fico novamente forte. Quanto mais perto desta casa e de
você, melhor me sinto. Mas ao mesmo tempo, sinto que tenho que ir.
- Por que tem que ir?
Caçar o alce? Não lhe basta a comida e a glória que tens em minha casa?
- Por que tenho. Sei
que tenho. Não sei onde estou. Não pertenço a este lugar. Falava sem certeza.
Pertece a onde quiser.
Vai saber onde está, quando quiser estar. Não tem medo do frio e da solidão da
floresta? Dos animais perigogos? Dos ladrões? Perguntava calmamente o mago.
- Não quero mais ficar.
Obrigado por tudo o que fez, e tem feito. Obrigado por salvar minha vida, mas
tenho que ir. Nem mesmo sei se conseguirei voltar, mas tenho que tentar. Se não
tentar, nunca saberei. Este lugar me atraiu com sua magia, me magnetizou e me
chama a ficar. Ouço esse chamado, mas também ouço meu alce na floresta. Tenho
que buscá-lo. Tenho que encontrá-lo.
- Mas nem sabes mais se
ele está vivo. Se ele existe. Se vai encontrar o mesmo alce que viu. E se você
se ferir nessa busca? Perguntou o mago em sua aura de tranquilidade.
- Mas nunca saberei
ficando aqui.
- E precisa saber? Quando
você veio para cá, sua energia re harmonoizou a energia dessa casa. Por causa
de sua chegada, novas pessoas chegaram, para que toda a energia do lugar se
completasse. Por sua causa novas pessoas vieram e outras se foram. Essas novas
pessoas trouxeram sua energia e todas essas energias se harmonizaram com a
minha. E minha magia aumentou. O poder que o curou veio desse equilíbrio
energético, que você mesmo fez acontecer. E agora, você faz parte de um ciclo
que se formou. E que só existe por que você esta aqui, enquanto você está aqui.
A cada passo que você dá, esse poder faz você voltar. Ao mesmo tempo em que o
alce atrai você para ele. O ponto em que você sente o limite de suas forças é o
ponto de exato equilíbrio, entre a energia que te leva e a energia que te traz
de volta. Só você define onde é esse limite.
Caso você vá, vai
faltar um ponto energético. Minha magia diminuirá, muitos deixarão de vir, e
outros podem vir. Eu sou o centro de todo o poder que todas as pessoas
concentram. Eu sou a conexão entre todos. E eu quero que fique. Para que
juntos, sejamos mais fortes. Ficando aqui, nada nunca lhe faltará. Terá a
certeza de uma cama quente, de um amor incondicional, de amigos leais. Boa
música, boa comida, bom vinho. Saúde, paz, ouro e felicidade. Enquanto você
estiver aqui, minha magia proverá tudo o que você precisar.
O caçador compreendia e
se maravilhava com tudo. Tudo fazia sentido. Pensar numa vida tranquila para
sempre. Sem medos, sem tristezas, sem angustias, sem dores. Nas noite
seguintes, o caçador tocava harpa junto com os convidados, bebia vinho, comia e
jogava. Mas ouvia ao longe o alce que corria e pastava em algum lugar da
floresta.
Pediu ao mago: deixe-me
ir. O mago respondeu: deixe-se ir. Mas não vá. Fique, eu te peço. Precisamos de
você. Lhe dou os segredos da magia, lhe dou os segredos do universo. E os
segredos do amor. Mas fique.
Deixe-me ir, eu lhe
peço. É você que me prende. Enquanto pensa que devo ficar, sua magia se
fortalece, e me impede de transpor o limite. A floresta me espera. Eu espero a
floresta. Eu preciso dela, assim como preciso de sua casa. Eu preciso ir,
assim, como preciso vir. Eu preciso da sua segurança, mas preciso me arriscar a
caçar. Sou um caçador. É só o que sei fazer. É para caçar que sai de casa. Não
existo sem a floresta, não existo sem buscar o alce. Nem sei mais se tenho casa, se tem alguém que
me espera. Mas eu preciso ir. Somente indo, saberei se quero voltar. Ou que não
quero. A certeza de ficar, faz de mim alguém menor. Eu aumento a força da
comunidade, mas minha força é minada e exaurida.
O mago entristeceu-se:
eu te dei minha magia, te dei meu tempo, te dei meu universo. Salvei tua vida.
Todos pedem que você fique. Todos precisam que você fique. E apenas pensa que
precisar ir. Tudo o que precisa terás aqui, não vês? Não lhe é o bastante? Não
te deixo ir. Teras que ficar, terá que gostar de ficar. Aprenderá a amar meu
mundo e tudo que nele existe.
O caçador passou mais
uma noite na casa do mago. Como sempre descansou,e o sono foi reconfortante.
No outro dia, ao tentar
caminhar, chegou ao ponto do seu limite. A cada passo, sentia seu corpo mais
pesado, sentia que o chão o puxava pra trás, sentia menos ar para respirar.
Continuou a caminhar. Insistindo nisso, e seguiu. Avistou o ponto em que na
última vez perdeu as forças, estava quase lá. E a cada passo, sentia seu corpo
pesar mais, e uma força ainda maior o atrair de volta para a casa. Ouvia em
seus pensamentos: volte. Fique. Mas corajosamente, deu mais um passo e chegou
até o limite em que tinha conseguido chegar na manhã de ontem. Sentia-se
totalmente sem forças. Caiu no chão. Pensava
na bondade do mago, pensava no tratamento que teve, em sua recuperação, desde
que havia chegado ali. Pensava em todas as pessoas, que ficavam mais tristes a
cada passo que ele dava. Pensava na boa comida, na boa música. Continuou no
chão e descansou. Sentiu o cheiro da
comida e teve vontade de voltar para comer. Mas permaneceu sentado. Neste
ponto, sentia o cheiro da floresta, ouvia os pássaros cantando, via-os dançando
no ar. Ouvia os sons dos animais, percebia seu movimento. Ouvia a água correr
no riacho. Perguntava-se se o alce estava por ali.
Reuniu suas forças, mas
sentia-se fraco. Naquele lugar, ele era forte e fraco, sentia-se alegre e triste,
sentia corajoso e cheio de medo, sentia-se sábio e louco. E finalmente deu mais
um passo em direção à floresta.
E sentiu-se forte
novamente. Muito forte e certo a seguir em frente. Avistou o alce. Olhou para
trás e viu o mago na porta da casa. Acenou para o mago e sorriu. O mago acenou
e sorriu.
Seguiu em frente.